Olhares periféricos

Mais de 2 anos separam a idealização e a execução do projeto Olhares Periféricos. Quando a pandemia nos atravessou tivemos que abrir mão de realizar esse trabalho de forma totalmente presencial. Mas optamos por estender ao máximo até que fosse possível nos encontrarmos pessoalmente para a produção das fotografias e percursos no território.

Esta publicação foi construída a partir da circulação de um grupo de participantes de diferentes idades no Aglomerado da Serra e de encontros virtuais onde uma série de fotografias foi realizada e comentada. É resultado, portanto, de experimentações de um grupo composto por pessoas diferentes, com relações distintas com o território e com a fotografia, em diferentes momentos da vida: adolescentes, jovens e adultos.

 

Nosso ponto de partida nas oficinas, assim como neste livro, são os mapas. Foram 8 encontros destinados a experimentar as fotografias em relação aos mapas cotidianos. A partir das imagens nos encontramos e experimentamos outras formas de olhar, de escutar e, principalmente, outras formas de se relacionar com esse território. Escolher um trajeto cotidiano e olhar para o que nos chama atenção. Atentar-se ao próprio trajeto, para depois conversar e ir percebendo onde cada caminho se cruza ou se difere. 

Em seguida, realizamos juntos percursos no Aglomerado da Serra, registrando pontos e situações que apareceram nos mapas. Dentre eles: “Baixada”, Arredores da escola Padre Guilherme Peter, Praça do Cafezal, Primeira água (Praça do Cardoso), Rua Herval, Rua União, Pracinha Próxima e Beco Santo Antônio, Campo Bola de Ouro, arredores do Centro Cultural Villa Marçola, Av. Jefferson Coelho, Rua Serenata, Passarela, Rua Bandônion, Volta e seus entornos.

Este livro, assim como o projeto, não tem a intenção de representar o Aglomerado da Serra. Essa tarefa é impossível, ainda mais se tratando da maior favela de Minas Gerais. Nossos percursos não alcançaram todas as oito vilas (Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora de Fátima, Nossa Senhora Aparecida, Santana do Cafezal, Novo São Lucas, Fazendinha, Chácara, e Marçola) que compõe esse território; e mesmo que fosse possível passar por todas as ruas, becos, escadas e vielas, nunca daríamos conta da complexidade e multiplicidade de vidas que habitam esse espaço.

O conteúdo desta publicação se atenta a sensibilidades do território identificadas pelo grupo que realizou as fotografias e relata um processo de experimentação com os olhares e sensações das pessoas envolvidas.

Este livro/catálogo aborda um processo e convida quem se encontrar nas páginas a seguir também a experimentar – assim como fizemos nos encontros on-line que realizamos. Produzíamos, entre um encontro e outro, um dispositivo que era visualizado por todas as pessoas do grupo, sem a centralidade da autoria.

Durante os encontros on-line adotamos dispositivos construídos colaborativamente tendo em vista atividades desenvolvidas por grupos que o Kumã coordenou durante a pandemia.

Conversamos a partir das imagens, sobre o que elas nos mostravam e nos faziam sentir, lembrar, pensar.

Acredito que as experiências de vivência com a criação artística possibilitam espaços de circulação de conhecimento não somente sobre as linguagens utilizadas como também sobre o entendimento de si mesmo e si mesma na construção de novas possibilidades para as pessoas que participam.

Esta pesquisa-intervenção aposta numa mudança crucial na atuação de artistas. Aqui, nos interessava muito mais operar como agentes que expandem as possibilidades para que as pessoas pudessem responder pelo próprio território do que decidir como cada uma delas deveria se relacionar com os espaços.

Acredito que as experiências de vivência com criação artística possibilitam espaços de circulação de conhecimento não somente sobre as linguagens utilizadas, como também sobre o entendimento de si mesmo e si mesma na construção de novas possibilidades para as pessoas que participam.

Vale ressaltar que adotamos nos dispositivos cartográficos as premissas da Olhares (Im)Possíveis, na quebra de lógicas de centralidade nos caminhos de produção de metodologias de trabalho em artes. Invertendo os caminhos da produção, apostando numa metodologia que teve sua origem em cidades do interior para posteriormente aplicá-la em Belo Horizonte. Discutiremos alguns deles no texto “Mapas e trajetos: um esboço para olhar o (im)possível” ao final da publicação.

Que este projeto chegue a vocês como uma possibilidade de perceber outros olhares sobre o território. Todo o material foi produzido por 7 pessoas que residem no Aglomerado, a quem cito e agradeço imensamente: David Sousa da Silva, Júnia Morais, Luiza Guedes, Morgana (Suelen Luísa Rodrigues Fagundes), Pedro Henrique Carvalho Golsalves, Reinaldo da Silva Santana e Thaíssa Vitória Pereira dos Santos. Este projeto é de vocês!

 

Arthur Medrado